Em tempos de realização de COP 26, em Glasgow, na Escócia, os efeitos das mudanças climáticas no agronegócio brasileiro também ganharam destaque, na Fiesp, durante encontro do Conselho Superior de Agronegócio (Cosag) da entidade, ocorrido nesta sexta-feira (5/10). O vice-presidente, Sérgio Tannus, que representa a entidade no Cosag, participou do encontro.
Na análise de Miguel Ivan Lacerda de Oliveira, as mudanças climáticas já ocorreram, disse o diretor do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), baseando-se no que mostram as estações e os radares integrados, com dados do sistema global de informação meteorológica. Oliveira alertou que o fenômeno do aquecimento é uma realidade há mais de 20 anos, no Brasil, e que há um desvio anual que se vê na trajetória negativa das chuvas, reduzida entre 1996 e 2020, com consequência para o agronegócio.
Ao frisar que os diferentes atores não estão trabalhando com as mesmas fontes integradas, indicou que é preciso conectá-las com vistas a um sistema efetivo de meteorologia que entregue valor para a área agrícola e dados de melhor qualidade. “O Brasil é uma das referências, no mundo, em meteorologia e, muitas vezes, não somos reconhecidos por conta dessa falha de comunicação”, afirmou. Para ele, trata-se de um desafio e ao mesmo tempo de uma oportunidade em função da tecnologia disponível.
Outro convidado trazido para o debate foi Jean Pierre Ometto, pesquisador titular no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), da coordenação-geral de Ciências da Terra (CGCT), da Divisão de Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades (DIIAV), e também integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
Ometto reforçou que o agronegócio acaba sendo afetado pelas precipitações menores e pelo aumento das temperaturas e apresentou projeções e cenários, mais os riscos de impacto em escala nacional e municipal, além de fatores referentes à mitigação e à adaptação. “As evidências científicas são cada vez mais fortes”, confirmou, frisando que há um desafio importante pela frente que guarda relação próxima com o meio ambiente e o setor do agro. A mudança do clima se traduz em eventos extremos e alterações de temperatura e clima em todas as regiões do planeta, como ondas de calor, precipitação intensa, secas e ciclones tropicais.
A atribuição dessas modificações em função da influência humana ficou ainda mais patente desde o 5º Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (AR5), publicado em 2014, de acordo com o expositor. “As mudanças recentes são generalizadas, rápidas, intensificadas e sem precedentes em pelo menos 6.500 anos e em breve alcançaremos o limite de aquecimento estabelecido no Acordo de Paris. Se não ocorrerem reduções imediatas e em grande escala, limitar o aquecimento a 1,5ºC pode ser impossível”, alardeou.
Ometto acrescentou que o planeta se aqueceu, em média, 1,1ºC, com aquecimento mais forte sobre os continentes, na ordem de 1,6%. Já os gases de efeito estufa contribuíram com 1,59% do aquecimento global, com os aerossóis contribuindo com um resfriamento de 0,5ºC e as contribuições naturais foram inferiores a 0,1ºC. Se globalmente as chuvas nos continentes aumenta desde 1950, algumas regiões sofrem com sua redução. O nível médio do mar aumentou 0,20, entre 1901 e 2018, e a taxa média de aumento foi de 1,35 mm/ano, entre 1901 e 1990, aumentando para 3,7 mm/ano entre 2006 e 2018.
O homem tem aquecido o planeta a uma taxa sem precedentes há pelo menos 2 mil anos e o expositor questionou onde a gente está e para onde a gente vai. Nas projeções de mudanças climáticas para o século 21, o aumento da temperatura média, mais intensamente na parte central do país, com cerrado mais quente e mais seco; o aumento do número de dias com temperatura acima dos 34ºC, consequentemente, o número de dias de seca também seria mais expressivo e haveria diminuição total da precipitação anual sobre a Amazônia oriental mais o Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste do Brasil.
Ometto abordou algumas questões atuais que trazem impacto: um planeta com 8 bilhões de pessoas, em 2021, e produzindo de 36 a 38 bilhões de toneladas de CO2, o que traz riscos à diversidade, levando à desigualdade e à insegurança (alimentar, hídrica, individual etc.) diante da alta demanda por recursos naturais, no uso do solo, da energia e de água potável, na produçao de alimentos.
Para ele, as decisões sobre adaptação adotadas definirão os impactos da mudança do clima no futuro, este é um ponto essencial. Ao tratar dos riscos de impacto e dos limites à adaptação, citou fatores relacionados, tais como a vulnerabilidade [sistema socioecológico propenso a ser afetado por ameaças climáticas]; sensibilidade [grau de alteração que o sistema pode sofrer, direta ou indiretamente], mais a capacidade adaptativa [grau em que os elementos do sistema estão preparados antecipadamente para o impacto climático e sua capacidade de resposta] e exposição [nível, duração e/ou extensão em que o sistema está em contato com a ameaça climática] e ameaça climática [estado ou projeção de uma particularidade climática que provavelmente pode afetar o sistema socioecológico].
O pesquisador do INPE deu detalhes da Plataforma do Impacta Brasil, em construção, voltado a diversos setores com olhar sobre a segurança alimentar, segurança energética e recursos hídricos, traçando cenários para o presente e para as décadas de 2030 e 2050, um sistema de informação para dar base à discussão e à tomada de decisão.
Para saber mais sobre o tema e os índices apresentados por Jean Pierre Ometto, consulte o IPCC WGI Interactive Atlas; o Portal de projeções climáticas; Cemaden – Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais do MCTI; e Adapta Brasil.
Seguro agrícola
Ângelo Colombo, CEO do Latin America Swiss Re S.C. Seguros e Resseguros, frisou a importância de se contar com seguro em função do número de catástrofes naturais no mundo ter aumentado ao longo das últimas décadas. “As mudanças climáticas são um dos desafios mais relevantes do século, com potencial impacto econômico adverso”, afirmou. No ranking de riscos climáticos entre 48 países, o Brasil se encontra na posição 38. Nesse cenário, surge a necessidade de se adotar ferramentas para mitigar as crescentes intempéries que podem afetar a cadeia de valor do agronegócio, segundo a opinião de Colombo, que trouxe o exemplo do milho safrinha, com quebra de safra em 2021: o mercado segurador repôs perdas da ordem de R$ 1,8 bilhão aos produtores, em, meio a um dos mais graves impactos climáticos já observados no Brasil.
Para ele, há espaço na oferta do seguro agropecuário. Colombo apresentou os seguros agrícolas tradicionais (das grandes cadeias produtivas), os seguros paramétricos com soluções de coberturas a partir de índices climatológicos e de produtividade e, por fim, o seguro pecuário voltado às soluções para sistemas de produção animal. Com investimentos em tecnologia e gestão de riscos, os seguros agrícolas se tornam cada vez mais acessíveis, disse, em sua análise, e citou o forte avanço promovido por Parceria Público-Privada (PPP) para pequenos e médios produtores.
Texto de Solange Sólon Borges, Agência Indusnet Fiesp